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A ilegalidade da majoração do novo SAT
O Decreto nº 6.957, de 9 de setembro de 2009, modificou o regulamento da Previdência Social no que se refere à contribuição destinada ao financiamento do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT)
O Decreto nº 6.957, de 9 de setembro de 2009, modificou o regulamento da Previdência Social no que se refere à contribuição destinada ao financiamento do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT), também conhecida como RAT - numa alusão aos riscos ambientais do trabalho, de que decorrem os benefícios previdenciários financiado. Assim como ao chamado Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que pode majorar a mencionada contribuição até o dobro. Essas modificações onerarão consideravelmente as empresas a partir de janeiro de 2010, e são inconstitucionais e ilegais, como adiante se esclarece.
Primeiramente, deve-se ter em mente que, de acordo com a Constituição, as contribuições se destinam a financiar, cada qual, certa despesa específica do Estado. No que se refere ao SAT/RAT, a contribuição se destina a financiar benefícios previdenciários de aposentadoria especial - no caso de trabalhos que sujeitam o empregado a condições que podem prejudicar sua saúde - e de benefícios concedidos em decorrência de eventos ligados a riscos do trabalho na empresa.
O SAT já gerou polêmica pelo fato de ter alíquotas de 1%, 2% ou 3%, que dependem do risco de acidentes do ramo de atividade da empresa ser leve, médio ou grave, respectivamente, tendo a lei delegado, a ato do Presidente da República (decreto), estabelecer os graus de risco de cada atividade. Muitos tributaristas viram nisso uma ofensa à garantia de que todo tributo somente será instituído ou majorado por lei. Mas a tese foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que entendeu que a análise de aspectos fáticos complexos, relacionados a cada atividade empresarial, justifica a delegação a decreto da atribuição das alíquotas.
Apesar desse entendimento do Supremo, é fato que as alíquotas não podem se distanciar da realidade, isto é, devem ser coerentemente estabelecidas, através de parâmetros objetivos e de estudos científicos, aos quais deve ser dada total publicidade. De outro modo, resvala-se para o arbítrio na fixação do tributo.
A realidade, contudo, tem mostrado que mais que arbitrária, a atribuição das alíquotas a cada atividade não guarda coerência com a realidade. Disso é prova o novo Decreto que modificou as alíquotas do SAT/RAT. Das 1.301 atividades listadas no Decreto nº 6.957, de 2009, o impressionante número de 866 teve sua alíquota aumentada, em relação à que havia sido definida no ano de 2007. Nada menos do que 236 atividades simplesmente saíram do grau de risco leve (alíquota de 1%) diretamente para o grau de risco grave (alíquota de 3%). Entre estas últimas estão atividades cuja classificação como grave é incompreensível, como produção de ovos, comércio varejista de plantas naturais, estacionamento de veículos, e até mesmo casas de chá. Em dois anos (2007 para 2009) a proporção de atividades com grau de risco leve e com grau de risco grave simplesmente se inverteu: eram 626 com grau leve, para 138 com grau de risco grave em 2007; agora são 760 com grau de risco grave, contra apenas 181 com grau leve. Está, evidentemente, fora de questão uma piora tão significativa nas condições de trabalho de tais empresas, em apenas dois anos, para justificar essas modificações.
Quanto ao FAP, cria um mecanismo de "ajuste" da alíquota do SAT/RAT (definida por ramo de atividade) para cada empresa, teoricamente, por meio de um tratamento estatístico da gravidade, frequência e custo dos acidentes relativos à empresa. O fator pode reduzir a alíquota para até metade, mas também pode dobrar a alíquota. Na prática, o FAP amplia os limites da alíquota do SAT/RAT, de 1% a 3% para 0,5% a 6%.
Ocorre que o novo Decreto nº 6.957 determina, para a obtenção do fator a ser aplicado, a utilização de dados que a própria Previdência sabe não serem confiáveis, e não implicarem custo para a Previdência. É o caso do número de Comunicações de Acidentes do Trabalho (CATs) emitidas, cuja facilidade de emissão por terceiros e a impossibilidade de cancelamento acaba majorando a realidade dos acidentes efetivamente ocorridos. Além disso, o afastamento por acidente somente implica custo para a Previdência Social se for superior a 15 dias.
O mesmo se diga em relação ao uso de presunções quanto à concessão de benefício acidentário em decorrência de certas doenças. O decreto presume, para a composição da frequência, sejam as doenças decorrentes do trabalho na empresa, mesmo havendo recurso pendente de julgamento contra essa presunção, e sem a avaliação efetiva, e a possibilidade de defesa do contribuinte contra essa atribuição de nexo entre o trabalho na empresa e a doença.
Portanto, o novo Decreto nº 6.957 representa, para as empresas, um meio infundado e ilegítimo de aumento da contribuição ao SAT. Em alguns casos, esse aumento chega a 500% - alíquota de 1% para alíquota de 6%. Impressiona a arbitrariedade com que esse aumento está sendo perpetrado, tornando-o, sem dúvida, inconstitucional e ilegal, pois, em que pese a possibilidade que o Supremo deu ao Executivo de atribuir a cada atividade a respectiva alíquota, por decreto, o aumento sem fundamentos públicos e confiáveis, mas ao contrário, à sombra do absoluto silêncio quanto aos motivos, e mediante dados sabidamente inadequados, torna-se contrário ao Estado Democrático de Direito, fundado na Constituição e na legalidade dos atos do Poder Público, mormente em se tratando da cobrança de tributos.
Cledson Moreira Galinari é advogado do departamento tributário do escritório Décio Freire e Associados, pós-graduado em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas
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