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As empresas estão preparadas para um racionamento?

Na base de uma relação formal entre empresas, estão em jogo direitos e deveres entre as partes. Cabe à parte contratada, por exemplo, entregar um serviço ou produto dentro de prazos estabelecidos para receber do contratante

Autor: Lucas ColferaiFonte: O Autor

Na base de uma relação formal entre empresas, estão em jogo direitos e deveres entre as partes. Cabe à parte contratada, por exemplo, entregar um serviço ou produto dentro de prazos estabelecidos para receber do contratante o acordado pagamento. Em caso de atraso ou falha na entrega, o bom vínculo prevê multas e outros dispositivos de modo a reequilibrar a relação, resguardando a parte lesada. Tudo o que é óbvio até aqui pode ganhar um boa dose de complexidade caso a atividade das empresas venha a ser impactada pela restrição ou falta de recursos básicos como a água e a energia. Eis a pergunta: o que vai acontecer com o empresário que perder dinheiro ao não conseguir honrar seus contratos devido à escassez desses recursos?

Serviços considerados essenciais, como o fornecimento de água, gás e energia elétrica, consoante aos princípios constitucionais e ao Código de Defesa do Consumidor, devem ser contínuos. Caso isso não aconteça, quem for prejudicado terá pela frente um caminho seguro para receber uma indenização, tanto material quanto moral. Consideremos como exemplo uma startup que vende soluções digitais e não consegue entregar para o cliente um serviço em tempo hábil porque alguns equipamentos essenciais para a produção ficaram inoperantes por conta de sucessivas quedas de energia. Se o contrato estabelece uma multa de 50% pelo descumprimento do prazo e, se houve o recebimento de metade do valor de forma antecipada, o empresário não receberá a segunda parte quando for feita a entrega. Para remediar esse prejuízo que não foi de sua responsabilidade, a empresa deve entrar na Justiça e solicitar a reparação de suas perdas à concessionária responsável pelo serviço. Esse é um processo considerado de “causa ganha”, ou seja, dificilmente um juiz não concederá a indenização. O que vai mudar é o valor da indenização arbitrado pelo juiz e isso vai depender muito do conjunto de provas produzido pelas partes.

Acontece que uma empresa de pequeno porte quase nunca está preparada para, em primeiro lugar, absorver o prejuízo e, posteriormente, ainda ter fôlego para encarar a maratona jurídica. Em média, serão necessários cinco anos, com otimismo, até o fim dessa história. E quem garante que até lá o pressionado caixa da empresa vai aguentar a pressão? Também não é descartável a possibilidade de, em caso de confirmação das previsões mais pessimistas que apontam para uma completa escassez de água nas regiões Sul e Sudeste até meados do segundo semestre deste ano, no auge do período da estiagem, que o judiciário passe a ser amplamente demandado por processos como o aqui exemplificado. Naturalmente, o tempo até uma decisão final tende a aumentar consideravelmente.

Além de torcer para as chuvas e por ações competentes dos governos na gestão dos recursos naturais, cabe ao empresário adotar caminhos preventivos. Desde já, aqueles que se sentem ameaçados pela crise hídrica e energética devem pleitear acordos com seus clientes de modo a acrescentar uma cláusula nos contratos, inclusive aqueles que estão em vigência, especificando alternativas para minimizar esses impactos. Ou seja, se faltar energia, um gerador será alugado para que o trabalho não seja interrompido. Para cobrir eventual falta de água, caso o bem seja imprescindível para atividade da empresa, um caminhão pipa será solicitado. Se esses dispositivos forem acionados, obviamente, é preciso deixar claro para o cliente que o custo do produto ou serviço ficará um pouco maior e o contrato precisará ser reequilibrado. O empresário ainda pode optar por incluir uma cláusula que prevê a ampliação do prazo de entrega em vez de aumentar o custo de sua operação. Neste caso, o desafio é deixar claro para os dois lados sobre como será determinado e aplicado o prazo extra.

Por fim, não cubra a cabeça sem descobrir os pés. Na clara tendência de ampliar as políticas de home office a fim de reduzir a demanda de energia e água dentro das empresas, os empresários ainda devem estar atentos com seus funcionários. Adotar soluções para mensurar a efetividade do trabalho realizado de casa e o controle de horas é fundamental para evitar passivos trabalhistas e, assim, atravessar uma eventual crise sob alguma tranquilidade.

SOBRE O AUTOR
Lucas Colferai é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-fundador da SBAC (http://www.sbac.com.br/), escritório especializado em atendimento jurídico para startups e PMEs.

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