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Leis que não pegam, decisões que mudam, e a segurança jurídica do ambiente econômico – parte I
Vamos falar de locação; na verdade, dois temas dentro desse assunto que interessam
Vamos falar de locação; na verdade, dois temas dentro desse assunto que interessam – e devem preocupar – a locadores de imóveis comerciais (redução de garantias) e locatários de shopping center (vale tudo no contrato de adesão).
A letra da lei nem sempre se aplica do mesmo modo que se lê. Até aí, nenhuma novidade, funciona assim desde que existe o direito. Qualquer lei deve ser interpretada no contexto jurídico e legal no qual se situa.
O problema são interpretações díspares, ou entendimentos mutantes ao longo do tempo, o que, por um lado, leva insegurança ao cidadão e às empresas, e por outro, obriga o agente econômico a um acompanhamento próximo, sob pena de encontrar surpresas pelo caminho que impactem seus negócios.
Quero tratar de dois entendimentos judiciais que evoluíram com o tempo, os quais, se negligenciados, podem trazer prejuízos inesperados: a (im)penhorabilidade do bem de família na locação comercial, e a complacência com a qual o judiciário tem recebido determinadas cláusulas especiais em contratos de locação em shopping center.
Abordaremos os temas em dois artigos: nesse primeiro, a garantia na locação comercial.
Garantias na locação comercial
A lei n° 8.009/90 garante a impenhorabilidade do bem de família, e até há pouco tempo, não deixava muita margem para dúvidas em suas exceções.
No que se refere à locação, o artigo 3°, inciso VII da lei determina o seguinte: “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
Traduzindo: mesmo imóveis classificados como bem de família são passíveis de penhora em caso de dívida decorrente de fiança locatícia.
Repare que a lei não difere o tipo de locação, se residencial ou comercial. E desde então (1990), os locadores, ao exigirem o fiador, pedem que o mesmo possua ao menos um imóvel, não importando se é sua residência ou o seu único imóvel.
Ocorre que o STF tem relativizado a lei em entendimentos recentes, contrariando posições anteriores do próprio tribunal.
No Recurso Extraordinário n° 612.360, julgado em setembro de 2010, firmou-se o “Tema 295” com a seguinte tese: “É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/1990 com o direito à moradia consagrado no art. 6° da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000”
Já em junho de 2018, no Recurso Extraordinário 605.709, o STF entendeu que, em se tratando de locação comercial, a impenhorabilidade deve ser reconhecida, mesmo em se tratando de dívida oriunda de fiança locatícia.
Os ilustres julgadores (a exceção dos vencidos Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso) entenderam que locação comercial se distingue da residencial: por algum motivo, entenderam que o direito de moradia é mais forte quando a dívida se oriunda de locação comercial. Ou seja: se é dívida de locação de um apartamento na praia, pode penhorar o imóvel do fiador; se é dívida de locação de uma lojinha situada em área de risco, não pode penhorar o imóvel do fiador.
Qual o sentido disso? O locador, sem receber aluguéis, privado de sua renda, pode ser despejado (caso more de aluguel e dependa desses rendimentos para pagar a sua locação pessoal), já o fiador de um locatário inadimplente não pode perder o seu imóvel. Por que não pensou no direito de moradia antes de ser fiador de alguém?
Já sabemos que no Brasil o crédito se torna caro, em grande parte, porque a vida dos devedores é muito fácil. Eis aí mais um exemplo.
Recente decisão (de 31 de julho) da Ministra Camen Lúcia no Recurso Extraordinário 1.278.427 seguiu a mesma tendência, consolidando o entendimento de que, em fiança na locação de imóvel comercial, o bem do locador, se for imóvel de família, é impenhorável.
Resultado: quem for proprietário de imóvel comercial não pode mais aceitar qualquer fiador.
É preciso que o mesmo tenha, ao menos, dois imóveis, e não more naquele ofertado para garantir o contrato.
O que fazer com os milhares, talvez milhões, de contratos de locação no qual o fiador ofereceu o seu imóvel residencial de garantia?
Uma alternativa é, diante da mudança de entendimento, exigir a substituição do fiador sob o argumento do perecimento da garantia. Trata-se de medida polêmica, dado que o tal “perecimento” se deu por força do próprio judiciário, o qual poderá entender que a aceitação do fiador, quando do início da locação, foi um ato deliberado do proprietário, por sua conta e risco. Outra, é não tolerar inadimplência do locatário, e ingressar com a ação de despejo logo nos primeiros atrasos, evitando, ao menos, o adensamento do débito.
*Marco Aurélio Medeiros (marco@msaonline.adv.br) é advogado pós-graduado em Direto da Economia e da Empresa e em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV e Mestre em Contabilidade Tributária pela FUCAPE/RJ. Ex-professor de Direito Empresarial da Universidade Estácio de Sá e ex-auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro. É sócio da MSA Advogados e atua nas áreas de planejamento tributário e empresarial.
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